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politicamente pretensiosa: cristianismo igual a civilização e paganismo igual a
selvajaria, tornando-se, assim, responsável pelas consequências abomináveis decorrentes
dos actos coloniais, cujas vítimas seriam os índios, os amarelos e os negros (cfr. Césaire,
1978, pp.14-15).
Pode se depreender dos textos de Césaire que a colonização é a manifestação, sem
precedente, da ganância do aventureiro e do pirata, do comerciante e do armador, do
pesquisador de ouro e do mercado, do apetite e da força, tendo por detrás a sombra
maléfica projetada de uma forma de civilização que, a dado momento da sua história, se
viu obrigada, internamente, a alargar à escala mundial a concorrência das suas economias.
Se não, como se pode perceber que a França, em particular, e a Europa, em geral,
conseguissem, progressivamente, tal como alude Dino Constantini, transformar os
princípios democráticos e humanistas, tão-reclamados naquela circunscrição do globo,
em instrumentos de justificação de dominação, com regulares violações, nas colónias,
dando lugar a uma degeneração sem precedente de uma suposta “missão civilizadora” da
Europa em África (cfr. Constatini, 2008, pp. 33 e 53)? Para pôr a nu o paradoxo de uma
civilização dita humanista, mas, na prática, contestadora da própria humanidade no
“diferente”, Constatini evoca o código civil de 1791, que coloca as colónias fora do direito
comum, institucionalizando uma cisão social, juridicamente fundamentada, entre as
populações brancas e negras, legitimando, ao mesmo tempo, a violência, primeiro, no
plano simbólico e, posteriormente no plano concreto, numa clara declaração de recusa de
reconhecimento e de integração dos negros na vida da metrópole. É preciso dizer que esta
fragmentação social, legitimada pelo código civil supra citado, serviu de base para a
consagração de uma nova compreensão do conceito da “humanidade” que reduziria os
direitos humanos a direitos de cidadania, reservando-os apenas aos europeus.
É o paradoxo, no caso da França, de uma República que nunca deixou de contestar contra
a violência de que tinha sido vítima em 1871, cegamente transformada numa autêntica
máquina de violência contra outros humanos, sem qualquer fundamento legítimo (cfr.
Constatini, 2008, p. 286). É a contradição de uma civilização ocidental defensora de
direitos humanos, mas que não hesita de reduzir os outros humanos à categoria de sub-
humanos; é a estratégia de um imaginário ideológico que, no plano psicológico, confere
legitimidade a todas as barbáries dos colonizadores sobre os colonizados; é a ironia de
uma civilização cuja linha de demarcação com a barbaridade não é explícita. Nem mesmo
a dignidade humana, universal e abstracta, apregoada pelos moralistas desta civilização,
como um dos valores mais sublimes entre os humanos, em especial, pela religião cristã,